O crescimento do Radio Garden sinaliza também uma fadiga com algoritmos. O rádio representa um retorno à curadoria musical feita por humanos.
19/04/2021Um aplicativo que até há pouco tempo era usado só por aficionados explodiu em audiência na pandemia. Trata-se do Radio Garden, app que permite ouvir estações de rádio de todas as partes do mundo gratuitamente.
Uma das suas características mais legais é que sua interface é um detalhado globo terrestre. À medida que você vai girando, vão aparecendo milhares de pontinhos verdes pela tela. Cada um deles é uma estação de rádio localizada naquele lugar. Basta ir até ela que sua programação ao vivo começa a tocar imediatamente.
A experiência é fascinante. Dá para ouvir a Aywa FM, do Sudão, que está com uma programação especial de cantos para o atual período de Ramadã. Tem também a Radio City Metal, de Mumbai, na Índia, que só toca metal pesadíssimo o dia todo, algo inconcebível nas ondas de rádio brasileiras. Dá para ouvir a Rádio Calheta, da Ilha da Madeira, especializada no que há de melhor do pop romântico português. Ou ainda a Rádio Guandong, na China, que alterna música ocidental com clássicos cantoneses.
Também reveladora é a história de como o Radio Garden foi criado. Ele surgiu como um projeto de pesquisa sem fins lucrativos em 2016, financiado pelo Instituto da Visão e do Som em Amsterdã, instituição pública da Holanda. A ideia era pesquisar como o rádio é capaz de promover encontros transnacionais. O que faz todo sentido. Basta perguntar para qualquer morador de Belém do Pará, por exemplo, que ela irá relatar como a proximidade com as rádios do Caribe influenciou a música local, do carimbó ao tecnobrega.
Em 2018, o Radio Garden migrou de projeto de pesquisa para se tornar uma pequena empresa startup. Curiosamente, no início havia apenas 7.000 rádios disponíveis. Hoje, são mais de 30 mil e há uma fila de estações globais se inscrevendo para ter o seu sinal incluído no projeto.
Mais do que isso, o crescimento do Radio Garden sinaliza também uma fadiga com algoritmos. Os sites de streaming de música têm um papel importante, mas, depois de um tempo, os algoritmos acabam levando a algum tipo de câmara de eco. Você fica preso no seu próprio gosto musical, e músicas do mesmo tipo que você já escuta se tornam padrão. Nesse sentido, o rádio representa um retorno à curadoria musical feita por humanos. Nisso o Radio Garden é imbatível.
É fascinante descobrir a diversidade incrível que existe no planeta, traduzida em música. E também as similaridades e os pontos em comum, que frequentemente acabamos por ignorar. Bon voyage!
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Repórter: Folha de São Paulo - 18 de abril de 2021