Ex-executivo do google, Tim Hwang, afirma que sistema de anúncios por algoritmos tem ineficiências graves
08/02/2021
“Metade do meu gasto com propaganda é desperdiçada; o
problema é que não sei qual metade.” Já atribuído a diversas figuras no mundo
dos negócios e da publicidade, o adágio encontrou um novo proponente. Tim
Hwang, ex-executivo do Google, alerta que o altamente automatizado mercado de
publicidade on-line se baseia em premissas falsas e caminha para o colapso.
Hwang publicou em
outubro o livro “Subprime Attention Crisis: Advertising and the Time Bomb at
the Heart of the Internet” (A Crise de Atenção Subprime: Publicidade e a
Bomba-Relógio no Coração da Internet). Nele, argumenta que a mídia
programática, como é conhecido o sistema de anúncios orientados por algoritmos
e negociados em leilões virtuais, esconde ineficiências graves. Essa dinâmica
opaca, mas supervalorizada, seria parecida com a das hipotecas “subprime” que
geraram a crise de 2008.
Em entrevista ao Valor via Zoom de Nova York, Hwang diz que
sua esperança é gerar debate suficiente para evitar um colapso catastrófico. “O
livro desencadeou discussão em lugares inesperados. Tenho visto muito interesse
de pessoas que trabalham com políticas e regulamentação em Bruxelas e
Washington”, conta. De fala concisa e eloquente, Hwang já foi diretor mundial
do Google para políticas públicas sobre inteligência artificial e também
diretor da Iniciativa para Ética e Governança da IA das universidades Harvard e
MIT. Atualmente é pesquisador da Universidade Georgetown.
O sistema desenvolvido desde meados dos anos 1990 criou
gigantes bilionários como Facebook e Google. Aparenta solidez: quantidades
assombrosas de dados sobre as pessoas permitiriam publicidade precisa e
efetiva. Mas Hwang afirma que a tecnologia é muito menos eficiente do que se
acredita. Estimativas reveladas pelo Google em 2014 apontam que 60% da propaganda
na internet nunca é vista. Em 2017, a Procter & Gamble, um dos maiores
anunciantes do mundo, cortou quase US$ 200 milhões de seu orçamento de
propaganda e descobriu que não teve nenhum efeito nas vendas.
O simples ato de ignorar a propaganda, inclusive por
aplicativos como AdBlock, amplifica o problema. Hwang cita também o cansaço com
a propaganda na internet. No início, anúncios “banner” rendiam cliques de até
50% das pessoas que os viam. Mas, hoje em dia, 25 anos depois, essa taxa chega
a no máximo 0,2%. Ainda assim, propaganda ligada a resultados de busca ainda
parece ser mais bem-sucedida que outros tipos de anúncios on-line, diz Hwang.
Augustine Fou comanda uma consultoria nos EUA que investiga
fraudes no setor e corrobora os argumentos de Hwang. Depois de 25 anos
liderando a área digital de diversas agências, Fou afirma que o mercado sabe da
existência de muitas fraudes, mas acha que “o problema é dos outros” porque
suas próprias associações mentiram para ele, alegando que resolveram o problema
com esforços de autocertificação. As fraudes geralmente envolvem falsificações
de audiência, como a que usou um aplicativo de namoro para exibir cópias de
janelas de vídeo do aplicativo de TV on-line Roku e vender propaganda nelas.
Outra fraude envolvendo o Roku vendia anúncios políticos em aplicativos com
baixa visibilidade, como protetores de tela ou para animais domésticos que
ficam sozinhos em casa. Muitas vezes os criminosos vendem espaço em páginas que
não existem - o volume gigantesco de ofertas nos leilões automatizados garante
algum lucro mesmo que poucas sejam aceitas.
Um desses golpes falsificou uma audiência de 2 milhões de
pessoas em abril, gerando 1,9 bilhão de impressões no Google TV, Smart TVs e
aparelhos equipados com o sistema operacional Android. Houve um caso em junho
apelidado de “DrainerBot”, contaminando milhões de smartphones para que
rodassem continuamente anúncios em vídeo sem o conhecimento do dono do
aparelho, gerando impressões depois cobradas de anunciantes.
Fernand Alphen, co-CEO da F.biz, empresa do grupo WPP que é
uma das maiores agências de marketing digital no Brasil, nega que haja fraudes
nas grandes plataformas do setor, mas diz que num mundo tão amplo como a
internet é previsível que em alguma parte elas aconteçam, já que “bandido é
bandido” independentemente da área. “Infelizmente, nossa capacidade de legislar
sobre este ambiente é muito mais lenta do que a capacidade que este ambiente
tem de inventar, de criar.” Ele ressalta que há muito ainda a descobrir no
mundo da publicidade on-line e alertas como o de Hwang são úteis na evolução do
setor, mas também que há muita coisa que funciona.
Hwang calcula que um em cada três dólares gastos com
publicidade on-line provavelmente vai para fontes fraudulentas. “O verdadeiro
problema não é se as propagandas funcionam ou não, mas que esses anúncios são
exibidos para pessoas que não estão nem aí, ou para bots”, diz ele sobre os
programas criados para simular ofertas em leilões ou audiência na internet. No
Google, Hwang lembra que os próprios engenheiros pareciam não entender direito
como o sistema funcionava, em mais um exemplo do perigo de sua complexidade e
opacidade, como foi nas hipotecas.
Steve Tadelis, economista da Universidade da Califórnia em
Berkeley, foi uma das pessoas a provar empiricamente os problemas do sistema.
Tadelis liderou um projeto no Ebay para avaliar a eficiência dos gastos com
publicidade on-line. Primeiro, a empresa cortou gastos com propaganda da
própria marca e descobriu que não afetou a receita, desafiando a lógica de que
era preciso se expor para evitar que possíveis clientes trocassem seu mercado
virtual pelo da Amazon.
Mas o Ebay também
comprava anúncios para produtos específicos. A empresa acreditava que eles
geravam 5% da receita, de modo que cada dólar gasto gerava US$ 1,50. Tadelis
mostrou que só respondiam por 0,5% da receita, ou seja, cada dólar gasto na
verdade representava um prejuízo de US$ 0,60. A empresa diminuiu o gasto com
propaganda on-line em US$ 100 milhões.
Tadelis publicou o estudo em 2014 e desde então o mundo
continuou aumentando os gastos com tecnologia de publicidade on-line, algo que
ele credita aos incentivos do mercado para corroborar a suposta eficiência do
próprio produto. “Muita gente no setor prefere fingir que não vê nada. Os
incentivos para fazer a coisa certa simplesmente não existem. Pelo menos ainda
não”, diz . O mercado que monetiza a atenção das pessoas tem métricas pouco
confiáveis sobre sua verdadeira eficiência, deixando o valor real da “atenção”
das pessoas na internet supervalorizado.
Hwang teme que o estouro dessa bolha possa derrubar o modelo
ao qual estamos acostumados na internet - ver propaganda ou ceder nossos dados
em troca de e-mail gratuito, buscas na internet, mapas e outros serviços que se
tornaram essenciais. Já enfraquecidos pela perda da receita com publicidade
tradicional, os jornais também sofreriam com a derrocada da propaganda on-line.
“Por isso eu acho que devemos ser cuidadosos e pensar numa
transição, em vez de simplesmente deixar esse modelo implodir”, diz Hwang. Já
Tadelis não vê risco de catástrofe: “As bolsas mundiais valem por volta de US$
100 trilhões; a indústria mundial de publicidade on-line talvez valha uns US$ 5
trilhões e não está entrelaçada a outros ativos financeiros, diferentemente dos
derivativos garantidos por hipotecas. Não há risco de contágio, como houve nos
mercados financeiros.”
Hwang não acredita que o mercado vai se autorreformar. “Eles
seguem a todo vapor, dizem que está tudo normal e meu livro não faz sentido, e
vão continuar trabalhando normalmente.” Para ele, a nova lei da União Europeia
obrigando o compartilhamento das métricas de publicidade on-line e esforços da
Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) são um sinal da onda regulatória que
se avizinha - e que talvez possa derrubar o mercado.
Hwang acha que um esforço regulatório mais forte dos
governos pode ser o estopim que derruba o mercado. A lei europeia de proteção
de dados (GDPR) pode cortar o acesso das empresas aos dados pessoais coletados
na internet, levando os anunciantes a constatar que eles não fazem diferença na
efetividade dos comerciais on-line, por exemplo. Para ele, um colapso
desordenado pode levar a sociedade a simplesmente reconstruir o mesmo sistema
problemático de antes. Em vez disso, ele sugere um esforço concentrado para
desmontar esse mercado e criar oportunidade para que novos modelos de negócio
possam surgir. Seu plano é criar um centro de pesquisas independente e sem fins
lucrativos que ajude anunciantes a corrigir suas expectativas sobre os
benefícios dos anúncios digitais.
Tadelis apoia a ideia. “O pessoal do setor vai insistir que
sem gastos consideráveis anunciando a marca e propaganda digital, a marca se
deteriora. Mas diga isso à Costco, uma empresa que gasta praticamente nada com
anúncios”, ressalta Tadelis sobre a lucrativa gigante americana do atacarejo.
O setor argumenta que a automação é necessária para
conseguir gerar receita num mercado gigantesco como o seu. O Interactive
Advertising Bureau, associação que representa principalmente empresas nos EUA e
na Europa, criou o IAB Tech Lab em 2014 para desenvolver tecnologias e padrões
que combatam fraudes no setor. Dennis Buchheim, seu presidente, defende a
indústria com o argumento de que ela envolve vários participantes ajudando a
distribuir e medir o efeito de propagandas “cada vez mais relevantes” para um
número enorme de conteúdos e públicos. “Contudo, a natureza aberta do
ecossistema digital introduz elementos mal-intencionados que vão atrás do
dinheiro e tentam roubar uma parte dele com práticas fraudulentas, incluindo
conteúdo ou fontes de conteúdo falsas, ou criando tráfego [on-line] fraudulento
ou públicos falsos”, admite.
O IAB Tech Lab colabora com a indústria para identificar
essas práticas e encontrar soluções em escala suficiente para aumentar a
transparência e o grau de controle das duas pontas do mercado de publicidade,
acrescenta Buchheim. Ele cita iniciativas como ads.txt, que busca certificar os
vendedores de propaganda digital; sellers.json, para aumentar a transparência
do relacionamento entre as partes envolvidas numa numa transação; e SupplyChain
Object, para monitorar as partes de transações e garantir que a propaganda é
comprada de fontes autorizadas e idôneas.
Repórter: Valor Econômico - Patrick Brock — De Oslo, Noruega.