Entre criatividade e ética: os desafios da vídeos de IA no audiovisual

Fundadoras do primeiro banco de vídeos criados por IA no Brasil falam sobre barreiras e oportunidades da ferramenta

08/09/2025


A Beel Films surgiu em 2016 e foi fundada pelas amigas de escola Bruna Cassapietra, formada em Rádio e TV, e Laura Terra, que estudou Teatro. Desde o início, a produtora audiovisual nasceu com a proposta de ser uma criadora de conteúdo digital, e sempre buscou se reinventar para atender às diversas demandas do mundo atual. Uma dessas inovações foi o desenvolvimento do núcleo de criação dentro da empresa.

“Como trabalhávamos com digital, prazos curtos e demandas imediatas, entendemos que desenvolver roteiros e oferecer suporte criativo diretamente às marcas nos fazia ganhar tempo na produção, o que é essencial no conteúdo digital”, conta Laura.

O mais novo projeto da produtora é o HiveStock, um banco de vídeos criados por inteligência artificial. Nesta entrevista, as fundadoras, Bruna e Laura, discutem como surgiu a iniciativa, quais demandas ela atende e ainda refletem sobre o impacto da IA no audiovisual.

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Meio & Mensagem — O HiveStock foi lançado como o primeiro banco de vídeos 100% criados por inteligência artificial no Brasil. O que motivou a criação deste projeto?

Laura Terra — O HiveStock surgiu justamente de uma análise nossa de mercado e das dores que víamos nos clientes. Muitos, por diversos motivos, como tempo e custos, fazem muito uso de bancos de imagem, mas sempre enfrentam o mesmo problema: a dificuldade de encontrar imagens que tenham mais a cara deles, com características brasileiras. Existem bancos de imagem brasileiros, mas, muitas vezes, o custo ainda é considerado alto e há também limitações na oferta.

Bruna Cassapietra — Às vezes é comum encontrar a mesma imagem sendo usada no mesmo setor. Por exemplo, na área médica, você vê o mesmo médico aparecendo em vídeos de concorrentes e não temos tempo para ajustar esses detalhes. Além disso, muitos bancos de imagem têm uma “cara gringa”, porque os maiores e com mais variedade são estrangeiros. Vimos aí uma oportunidade com a inteligência artificial e percebemos que isso se encaixava no nosso perfil, já que as empresas nos procuram justamente para agilizar processos. Estudamos bastante: analisamos o comportamento do mercado, e também pesquisamos ferramentas e caminhos para obter resultados mais fiéis, fugindo do “mais do mesmo”.

A IA trouxe uma pluralidade muito interessante: você pode personalizar o que quiser, criar algo completamente realista ou até ir para um lado mais ousado. Isso tem sido muito válido e interessante para os clientes, porque eles conseguem algo personalizado sem precisar de deslocamentos, que geram custos. Assim, conseguem contar suas histórias nos vídeos de maneira prática e criativa. Acho que foi algo muito positivo tanto para nós quanto para os clientes, pelo retorno que tivemos.

Laura — Criamos dois caminhos dentro do Hive. Um é com imagens prontas e funciona como um banco: a pessoa compra e usa em diversas plataformas. O outro é o modelo personalizado, em que o cliente pode solicitar uma imagem específica ou contratar o trabalho completo, do início ao fim. Como vivemos sempre correndo contra o tempo no digital, isso nos ajuda muito, especialmente na parte burocrática. Por exemplo: antes, precisávamos de autorização para determinadas cenas, mas agora conseguimos substitui-las; precisávamos de alvará infantil, agora conseguimos inserir uma criança na cena sem expô-la. Ou, se o orçamento é baixo, mas o cliente quer uma cena em Nova York, também conseguimos. Assim, criamos possibilidades. Sempre vimos a inteligência artificial como uma ferramenta a nosso favor, ampliando as soluções que oferecemos, e tenho certeza de que ainda vai melhorar muito, porque surgem ferramentas novas o tempo todo.

M&M — Como funciona, na prática, o processo de criação e curadoria das imagens e vídeos feitos por IA dentro do HiveStock?

Laura — Bom, a gente faz um trabalho muito parecido com um processo de animação, porque o primeiro passo é criar as imagens, já que a inteligência artificial ainda tem certas limitações nos ajustes. Então, usamos isso a nosso favor: consigo enviar um material para o cliente pré-aprovar como um rascunho e, depois, damos vida a essas imagens. O máximo que fazemos depois é ajustar movimentos e dinâmicas do vídeo, gerando novos prompts em cima do que já existe, mas a estética geral, seja de personagens ou cenários, já está aprovada.

Bruna — Sobre as imagens que colocamos no banco, fizemos um estudo e uma pesquisa sobre as principais necessidades do mercado, o que faltava, o que era difícil ou até impossível de captar. Então conseguimos fazer uma verdadeira decupagem para entender o que precisava estar no banco de imagens. Dividimos tudo em diversas categorias, incluindo conteúdos clichês, mas necessários e válidos de manter, e também imagens mais específicas. Ainda estamos ampliando essas categorias no HiveStock. Foi um estudo baseado nas necessidades reais do mercado e na percepção de que faltava variedade nos bancos existentes. Criamos grupos como escritório, reuniões, natureza, medicina, crianças, diversidade com deficiência, entre outros. Além disso, pensamos na direção de cena para cada imagem. Incluímos comandos que definem iluminação, estética, sentimentos que queremos transmitir, tipo de lente, formato, velocidade ou até perspectiva de drone. Tudo isso é pensado como em uma captação real. Existe esse processo de direção pré-imagem, mas sempre partimos primeiro das nossas próprias dores e das dores dos clientes.

Laura — E o Brasil é muito plural. Quando a gente pensa em como é uma pessoa brasileira, ela pode ser de tantas maneiras, não tem um perfil único. E sentíamos falta de mostrar isso. Então, trabalhamos muito com essa pluralidade: corpos diferentes, pessoas diversas, alturas diferentes, jeitos diferentes, porque isso realmente faz parte do nosso país e da nossa cultura. Mas é algo muito mais difícil de encontrar quando não existe um banco que traga essa personalização.

M&M — O HiveStock oferece vídeos de cinco a dez segundos com estética cinematográfica, diversidade de corpos e brasilidade contemporânea. Como garantir representatividade e autenticidade usando inteligência artificial?

Bruna — Sempre buscamos diversidade desde o início. Quando a Beel começou, há nove anos, nossa equipe era 100% feminina. Era engraçado ver as reações, as pessoas se surpreendendo porque estávamos carregando equipamentos pesados, fazendo tudo. Mas isso era natural para nós. Por isso, sempre colocamos diversidade em tudo, desde uma animação até uma campanha maior, independentemente do formato do vídeo. Trabalhando com marcas brasileiras, não tem como fugir dessa pluralidade. E quando criamos o HiveStock, não tinha como ser diferente. Diversidade era uma das dores que identificamos logo no começo. Muitos clientes pediam para trazê-la para os vídeos, mas, nos bancos de imagem, não encontravam o que queriam. Fazemos isso de uma maneira que inclui todo mundo de forma válida, sem substituir ou excluir a captação tradicional, mas usando a ferramenta a nosso favor. Hoje, conseguimos multiplicar a diversidade com IA, o que foi super válido para nós e resolveu uma dor do mercado, entre várias outras que também identificamos.

M&M — Como as marcas e agências têm reagido às entregas do HiveStock?

Laura — Olha, a gente tem recebido uma devolutiva muito legal por alguns pontos principais. Um deles é essa questão de entender até onde a ferramenta vai e quais são as possibilidades que ela traz. Às vezes, até brincamos que somos desafiados pela marca, porque eles dizem: “E se a gente fizesse tal coisa?” Isso mostra que estão entendendo que, muitas vezes, uma imagem já pronta no banco pode servir de inspiração para algo que você nem tinha imaginado, simplesmente porque não tinha visto ainda. A gente percebe que isso abre caminho para novas ideias. Outro ponto muito citado é a agilidade. As urgências sempre existiram, mas, antes, alguns pedidos eram impossíveis de atender. Com a ferramenta, essas demandas se tornam viáveis. As devolutivas têm sido muito positivas e confirmam exatamente as dores que a gente já imaginava no início. Isso reforça que estamos no caminho certo e que há muito espaço para explorar. Acreditamos que o HiveStock, se for pensar em concorrência com alguma ferramenta, está muito mais próximo de um banco de imagens do que de uma substituição de captação, porque são propostas e ideias diferentes. Mas, para quem já usaria um banco de imagens, ele amplia completamente o leque.

M&M — Vocês acreditam que o uso de IA na produção de vídeo tende a crescer e democratizar ainda mais o acesso à produção audiovisual? Onde está o limite da criatividade e o que não pode ser substituído pela IA?

Laura — Acredito que a inteligência artificial abre possibilidades e, com certeza, novas entradas no setor. Mas algo que percebo é que, quando as pessoas começam a testar a IA, elas entendem que não é uma ferramenta tão simples quanto parece. Ela exige técnica e o olhar de um profissional para gerar um resultado concreto. A ferramenta democratiza o acesso, sim, mas tem limites éticos claros. Por exemplo, não pode ofender a autoria de ninguém nem plagiar trabalhos. Essa é uma luta constante nossa, para regulamentar e estabelecer esses limites. No final, acredito que o limite é ético: respeitar autoria e originalidade. E isso vale para a IA assim como para qualquer outra ferramenta que usamos.

Bruna — A gente fala que pode criar o mundo que você quiser. Mas, claro, a ética sempre está presente. A ferramenta está na mão de todo mundo, todos podem usar, mas você a utiliza conforme suas necessidades e seu conhecimento. Na semana passada, um cliente nos deu um feedback: ele tentou explorar a ferramenta internamente, mas não saiu do lugar. Isso mostra que é preciso conhecimento. É algo novo e, se você não estudar e não souber o básico de audiovisual, ou mesmo de ética, os resultados não vão ser bons.

M&M — Quais os principais desafios técnicos e criativos ao trabalhar com IA em vez de captação tradicional?

Laura — O maior é manter a conectividade entre uma cena e outra. Não falo apenas de cenas que fazem sentido como em um clipe, mas de manter o storytelling. Ter a mesma personagem, o mesmo cenário, interações entre pessoas, essa conexão que gera emoção e envolve o público. Esse é o maior desafio porque estamos lidando com algo tecnológico e inovador, mas também robótico. A questão é: como direcionar artisticamente, com olhar de comunicação e enredo, mantendo essa conexão? O difícil é criar um storytelling consistente, manter conexão e estética ao mesmo tempo.

M&M — Na opinião de vocês, qual é o futuro do audiovisual brasileiro com a expansão dessas tecnologias?

Laura — Eu realmente acredito na inteligência artificial como uma ferramenta, mas não como substituição. O que vejo é que ela já está presente e vai evoluir cada vez mais, porque é uma ferramenta muito rápida. Toda semana descobrimos uma função nova que muda bastante. Acredito que a IA vai somar, não substituir. Ela vai criar uma nova linguagem dentro do audiovisual, uma linguagem própria da inteligência artificial. Isso vai gerar novos encontros, festivais, feiras e espaços voltados à IA, mas não substituindo a captação tradicional. Vejo profissionais técnicos especializados surgindo nesse novo segmento, somando sua vivência e conhecimento real a essa nova linguagem. Para mim, é uma somatória, uma expansão de mercado, e não uma substituição.

Repórter: Meio & Mensagem

Inteligência Artificial
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